quarta-feira, 28 de julho de 2010

Abismo.

então, de repente, você teria se voltado para ela,
perguntando das possibilidades de chuva e inundação.
ela seguiria pisando os paralelepípedos emersos,
sem perder o equilíbrio. e você quereria ouvir
o que o futuro lhe reservava naquela noite.

depois de tomarem banho e conseguirem uma cama seca,
sairiam- regressando pelo mesmo caminho,
até avistarem o lugar morno e iluminado. sentariam
junto à porta, pediriam vinho, peixe e pão, como num ritual.

quando a luz apagasse, vocês já teriam comido e relembrado
coisas antigas, viagens recentes e desejos. a chuva cairia forte
outra vez, refrescando o sufoco da noite.

cada traço do rosto dela estaria iluminado sob a luz
dos relâmpagos. a cada clarão, um outro jeito a confundir
seus gestos: de dor, de tristeza. ou uma alegria distante.

ela, por sua vez, veria apenas um contorno de corpo
recortado contra o fundo da porta. lá fora ela veria
o céu iluminado pelos raios, a torre da igreja,
as telhas brilhando.

a cada pausa, ela teria outras formas de pedir descanso
da loucura que estava sendo viver.
você, como sempre, perderia a paciência: ao invés de
reparar na magia, sentiria um ódio quase
incontrolável da situação.

e aí, entre vocês, estaria instalado o abismo.
Veronika Paulics - in Cães da Memória.






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